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No Dia Internacional, Mulheres Indígenas do Sul e Extremo Sul da Bahia reafirmam luta por terra, visibilidade e direitos

Escrito por Extensão UFSB | Publicado: Quarta, 05 de Setembro de 2018, 21h10 | Última atualização em Quarta, 05 de Setembro de 2018, 21h10 | Acessos: 4800

A UFSB tem como um de seus princípios mais fundamentais a construção de diálogos efetivos com os povos originários dos territórios Sul e Extremo Sul da Bahia. Construção que perpassa pelas questões das mulheres, seus modos de vida, suas lutas e formas de resistência às opressões. E as mulheres indígenas têm sido importantes interlocutoras nesse processo, a exemplo de Maria Muniz e Jovita Oliveira.

O 5 de setembro não é uma data muito conhecida ou divulgada. Muitas vezes, até entre as próprias mulheres indígenas, como aponta Potyra Tê Tupinambá, de Olivença, indígena, advogada, militante social pelos direitos de seu povo: “Não posso dizer que a data não é importante, mas, se a gente for pensar a partir das bases, naquela minha parente que está dentro da comunidade, que não tem internet, energia elétrica, essa informação [sobre a data] nem chega.”

O Dia Internacional da Mulher Indígena foi instituído em 1983, durante o II Encontro de Organizações e Movimentos da América, em Tihuanacu, na Bolívia. Em 5 de setembro de 1782, Bartolina Sisa, uma mulher quéchua que dedicou sua vida em defesa de seu povo, lutando para combater a colonização, foi cruelmente assassinada, por esquartejamento, pelas forças espanholas, durante a rebelião anticolonial de Túpaj Katari, no Alto Peru.

Na opinião de Potyra, “todo dia tem que ser nosso dia, dia de luta, de pensar na melhora de nossas vidas, dia de refletir sobre o patriarcado, o machismo, a violência, sobre a mulher não ter voz dentro das comunidades.”

Incomodada com a falta de acesso das mulheres indígenas das bases a informações importantes, ela trabalha numa rede multiétnica e pluricultural, a Rede Pelas Mulheres Indígenas, composta por mulheres de oito comunidades do Sul e Extremo Sul da Bahia, Alagoas, Pernambuco e Sergipe. “A gente faz formações com mulheres indígenas para que as que têm acesso às informações possam, dentro de suas comunidades, chegar naquela parente que está sozinha; que façam a roda perto dela, para que ela participe, conheça seus direitos, tenha um grupo de mulheres em que ela possa se apoiar na forma da sororidade”, explica Potyra.

Ela entende que a principal demanda das mulheres indígenas é a visibilidade. “A gente quer ter voz nas reuniões, a gente quer ter representatividade na hora das decisões políticas. Os homens assumem o papel de lideranças, resolvem tudo. A gente quer passar a discutir as pautas, quer discutir educação, quer discutir saúde, que as soluções considerem a diversidade, as diferenças de gênero.”

Apesar disso, Potyra destaca o fato de muitas mulheres serem caciques no movimento indígena do Sul da Bahia, o que a inspira, pois são “grandes lideranças”. “No meu povo, temos uma cacique mulher, a cacique Valdelice, que é mãe, avó e, ao mesmo tempo, consegue dar carinho aos filhos e netos, recebe todo mundo para resolver as coisas. Administra sem perder a doçura”, conta.

Olinda Muniz, Pataxó Hãhãhãe, jornalista, cineasta e ativista, reforça que cada vez mais mulheres indígenas têm se destacado pela força como defendem seus territórios e políticas públicas para garantir seus direitos. “As mulheres indígenas têm se organizado em associações fora e dentro de suas comunidades, têm ocupado os espaços políticos, a fim de representar e garantir que suas especificidades sejam respeitadas e que os direitos indígenas sejam de fato implementados, ajudando a permitir que cada comunidade mantenha seu modo de vida, sua autonomia”, explica.

Ela enfatiza a falta do acesso à terra como o principal problema que atinge as populações indígenas hoje, argumentando que, por esse motivo, “as populações indígenas, e principalmente as mulheres, vivem em situação de vulnerabilidade, falta de atendimento médico adequado, pobreza extrema.”

Para Olinda, o Dia Internacional da Mulher Indígena é uma data “para comemorarmos a história de nossas ancestrais que trabalharam e lutaram para construir e manter as sociedades indígenas que até hoje resistem e as que já sucumbiram ao colonialismo. Mas também é para comemorarmos pelas muitas guerreiras invisíveis e visíveis que tivemos e pelas guerreiras da atualidade que brigam por seus povos e ajudam a abrir espaço para que todas as mulheres sejam reconhecidas como elemento importante em nossas sociedades. Hoje somos artistas, cineastas, agentes políticas, professoras, advogadas, médicas, líderes.”

A professora da rede pública estadual no município de Teixeira de Freitas e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Estado e Sociedade (PPGES/UFSB), Vera Lúcia Silva, que estuda narrativas indígenas do Extremo Sul da Bahia, fez questão de homenagear as mulheres indígenas neste 5 de setembro.

Ela conta como foi seu primeiro encontro com o povo Pataxó do Prado, na Vila de Cumuruxatiba. “Na época [2010-2011], eu representava a Diretoria Regional de Educação, a Direc 09, e fui designada, com outros colegas, para acompanhar uma reunião para tratar das dificuldades das escolas indígenas com o transporte. Nessa situação, foram decisivas as vozes que se levantaram em defesa do direito das crianças e jovens à educação indígena, intercultural e diferenciada em seus princípios, do direito a um local onde pudessem ser indígenas sem sofrer o preconceito das salas de aula para ‘todos’ da vila.”

Essas vozes, “impressionantemente fortes”, eram de dona Jovita, Escorpiã Pataxó, pajé da aldeia Cahy, e de sua filha Rita, Luar Pataxó, gestora da escola indígena Kijêtxawê Zabelê. “Impuseram respeito, convocaram para o embate necessário, defenderam seu povo, denunciaram injustiças, fizeram tremer os responsáveis, exigiram soluções imediatas”, lembra Vera Lúcia.

A professora e pesquisadora sublinha a liderança das mulheres indígenas do Extremo Sul da Bahia, ressaltando o aspecto intergeracional e o cuidado com a ancestralidade. “Através de um olhar que deseja cada vez mais se aproximar, percebo com nitidez e orgulho o papel preponderante que as mulheres indígenas desempenham em suas comunidades. E não falo de papeis em que elas agem como coadjuvantes: são protagonistas, encabeçam lutas, estão à frente, inauguram maneiras de lutar e fazer, dão sequência às lutas que suas antepassadas começaram, formam linhagens de guerreiras: a filha de Rita, Talita, Tamikuã Pataxó, participa ativamente do movimento indígena e luta na defesa de seu povo com uma arte linda, a fotografia.”

Vera convoca todos(as) nós a valorizar as narrativas que atestam a importância da força, da capacidade de invenção, da resistência às adversidades e da valentia das mulheres indígenas através das gerações. “Elas precisam ganhar corpo e voz, circular, ganhar visibilidade e inspirar todas as mulheres, indígenas e não indígenas, nas lutas por direitos que transformem nosso país em um espaço menos hostil ao que é diferente.”

Foto: Malu Carvalho

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